domingo, 30 de dezembro de 2012

Não ao veganismo especista - uma resposta à "Mabel"

Em resposta ao meu FAQ sobre anti-especismo, que também foi publicado no site Olhar Animal, alguém que assina como Mabel Nobrega enviou o seguinte comentário, no próprio site:

#  Mabel Nobrega  28-12-2012 14:06 escreve:

"Interessante o fato de uma pessoa extremamente arrogante e soberba ter escrito sobre igualdade.  Imagino que ele tenha se valido do ditado "faca o que eu digo, mas nao faca o que faco." No  minimo, pode se dizer que tudo que vem do L. Cunha quanto a respeito e igualdade eh hipocrisia,  afinal ele se julga o detentor de toda a verdade e qualquer pessoa que nao concorde com a sua  opiniao e tachada por ele de imbecil, como o fez no grupo aberto do facebook Garimpando Opcoes  Veganas".

Eis minha resposta:

Se você pensa que defender a igualdade e o respeito implica em se calar diante das injustiças, e  não julgar e avaliar as crenças e opiniões (e também os argumentos que visam sustentar essas  crenças e opiniões) das outras pessoas, então não faz a menor idéia do que são as noções de  igualdade e respeito. O compromisso com a igualdade e o respeito implica um dever de nos  pronunciarmos diante das injustiças. Um compromisso com a verdade implica em um dever de  explicarmos o que há de errado com determinadas idéias, e de mostrar por que determinados  argumentos são ruins. O respeito pelas pessoas não implica que temos de respeitar qualquer idéia  que elas acreditem (por mais estúpida que essa idéia possa ser, como no caso do especismo,  racismo e sexismo). Demonstramos respeito por uma pessoa mostrando o por que de determinadas  idéias que ela sustenta estarem muito erradas. E, demonstramos o devido respeito por essas  crenças submetendo-as a escrutínio crítico  e as rejeitando se elas se mostrarem implausíveis (e,  combatendo-as, se elas também forem moralmente hediondas, como é o caso do especismo, racismo e  sexismo).

Não faz o menor sentido acusar alguém que oferece argumentos para sustentar a sua posição de  pensar que é "dono da verdade". Isso só pode vir de uma confusão gigante sobre o propósito do  debate racional. Alguém que oferece argumentos os está submetendo-o a escrutínio crítico. Se  alguém faz isso, é porque quer que seus argumentos sejam analisados por outras pessoas, para ver  se eles realmente sustentam a conclusão que visam sustentar, e se realmente provam que a  conclusão é verdadeira ou não. A maioria das pessoas possui uma idéia tão distorcida do que é um  debate racional, que tendem a ver tudo ao contrário. Quando alguém, ao invés de oferecer  argumentos, apenas apela a intuições, ou apenas faz exclamações do tipo "isso é mesmo um  absurdo!", "que coisa horrível", sem dar base alguma para sustentar suas exclamações, então é  visto como alguém tolerante e "aberto a rever suas concepções". Nada poderia estar mais longe da  verdade. 

Note que a questão aqui não é dizer que alguém se acha "dono da verdade" porque não está aberto a  avaliar os seus argumentos. A questão é que geralmente, só por alguém oferecer um argumento e  pretender que as conclusões a que ele conduz sejam verdadeiras, só por isso, alguém já é  classificado como pensando ser "dono da verdade". Em contrapartida, geralmente esse mesmo tipo de  pessoa enxerga alguém que fala "é tudo muito relativo!" como sendo tolerante e aberto a pensar  com seriedade no assunto.  Isso só pode vir de um entendimento grotesco do que são  argumentos. Para começar, não só quem escancara que está a oferecer argumentos pretende que suas  conclusões sejam verdadeiras: todo mundo faz a mesma coisa, toda vez que afirma ou nega algo,  (mesmo quando se esforça ao máximo para esconder os argumentos, e esconder a pretensão de que sua afirmação  ou negação tenha validade objetiva). Por exemplo, você pretende que o que afirmou sobre mim seja  verdadeiro. Então, se é para classificar como se achando "dona da verdade" toda pessoa que  pretenda que os seus argumentos sejam sólidos e que as conclusões que chega são verdadeiras,  então tem-se que se classificar todo mundo assim.

É claro, é muito mais fácil pensar que "tudo é muito relativo mesmo", "a verdade é relativa", e  que ninguém erra nunca. Só que, ao contrário de quem oferece argumentos visando sustentar uma  conclusão, é quem defende esse tipo de perspectiva que pode ser legitimamente acusado de não  estar aberto a rever suas concepções. Afinal de contas, se "a verdade é relativa a opinião de  cada um", para que então rever suas concepções, não é mesmo? Só que, o primeiro problema é que,  então, alguém que pensa assim não tem razões para criticar o adversário pelo que ele defende (nem  pela maneira que ele se comporta, já que, segundo essa visão, ele não está errado, já que ninguém errada nunca, pois é tudo "muito relativo"). O segundo  problema é que essa afirmação pretende ser ela mesma verdeira  em termos objetivos, e não,  relativa. Isso a torna auto-refutante.

Assim, todo mundo, o tempo todo, está a fazer afirmações e argumentos cuja pretensão é de  validade universal. É impossível pensar alguma coisa com sentido e que ao mesmo tempo consiga  fugir dessas condições. Mesmo quando dizemos "esse assunto em particular é muito subjetivo",  queremos que essa sentença seja verdadeira em termos objetivos (e não "verdadeira para mim"). A  diferença toda, entre as pessoas, reside no fato de que algumas escancaram que estão a fazer  reivindicações objetivas e a utilizar argumentos cuja pretensão é de validade universal, e outras  pessoas mascaram esse ponto para que suas posições sejam vistas como tolerantes e como não  discordando de ninguém. Então, é esse tipo de pessoa que pode legitimamente ser acusada de  desonestidade intelectual, e não, quem oferece argumentos para sustentar suas conclusões.

A questão é que a maioria das pessoas, incluindo você, não faz a mínima idéia do que seja um  debate racional. Vêem a argumentação como um jogo de manipulações, e não como tentativas de  chegar à verdade. Talvez, porque elas próprias só utilizem argumentos dessa maneira. O que  acontece é que as pessoas estão tão acostumadas a esse jogo manipulatório nos debates, e tão  arraigadas em sua crença no relativismo (que surge geralmente para não terem que assumir que,  muitas vezes, elas estão totalmente erradas), e a só participarem de debates onde cada um tenta  berrar mais alto do seu lado "isso é um absurdo!", sem discutir argumento nenhum, que então vêem  alguém oferecendo argumentos como se achando "dono da verdade". É claro, quem pensa que ninguém  se engana nunca, que é tudo muito relativo, que respeitar as pessoas é respeitar suas idéias, por mais implausíveis que sejam, não  suporta o fato de descobrir que está errado. Enquanto o outro lado faz igual, e apenas grita  "isso é um absurdo!", sem oferecer argumento nenhum, as pessoas se sentem confortáveis com suas  crenças, e falam falsamente que o interlocutor é uma pessoa "respeitável para se debater", só  porque o interlocutor não demonstrou que sua crença estava errada (é claro, ele apenas ficou a  exclamar, igual a você, que "é tudo muito absurdo!": não colocou você e suas crenças contra a parede).

Agora, o que gente assim não suporta é ter que dar de cara com o fato de que os argumentos que  ofereceu eram muito ruins (quando existiram!) e as crenças que sustentavam eram totalmente  implausíveis. São pessoas assim, que realmente se acham os verdadeiros "donos da verdade", porque  não suportam ter que dar de cara com um argumento que prova que estão errados; por isso gostam de  dizer que tudo é muito relativo e é só uma questão de opinião, e que o interlocutor só é  respeitoso  enquanto ficar a exprimir exclamações sem uma argumentação. Ou seja, quem  pensa assim se acha democrático, mas o seu respeito pelo ideal democrático vai apenas até o  momento onde o interlocutor oferece um argumento para mostrar que se está errando. Quando o  interlocutor faz isso, então ele é um "arrogante", "prepotente", "dono da verdade". "Como  o Luciano é prepotente! Além de dar um argumento que visa mostrar que estou errada, além de tudo,  ele pretende que o argumento seja sólido e a conclusão seja verdadeira! Quanta prepotência!"

Nesse momento, essas pessoas vão atacar quem ofereceu a demonstração de que o argumento era ruim  (porque não suportam saber que estão erradas). É como mandar assassinar um mensageiro que veio  dar uma notícia ruim. Nesse momento, só surgem argumentos ad hominem (que foi o que aconteceu  naquele debate e o que você está a fazer agora). Nenhum dos argumentos que ofereci foram  discutidos. Tudo o que se fez foi afirmar que sou arrogante, prepotente, hipócrita porque ofereci  um argumento para mostrar que vocês estão errados. Sinto muito, mas, como todo mundo sabe, isso  não prova que o que falei estava errado. É por isso que o argumento ad hominem é uma falácia:  mesmo que fosse verdade que sou tudo aquilo de que me acusam (prepotente, arrogante, hipócrita),  isso não tem poder algum de mostrar que aquilo que defendo está errado.Você está a fazer a mesma  coisa agora: não mencionou nenhum argumento do texto que você comenta (talvez por que não tenha  tido nem a mínima decência de ler aquilo que comenta), apenas dirige ataques à minha pessoa, e à  forma com que falo. O uso dessa tática é muito comum: quando não se consegue provar que as idéias  que o adversário defende estão erradas, ao invés da saída humilde de se admitir que o  interlocutor tem razão, a pessoa prepotente parte para os ataques pessoais. Para se ter uma idéia  do nível do debate no facebook que você menciona, ele teve pérolas do tipo: "olha, os argumentos  que você endereçou são bons, mas eles caem por terra porque você é pedante, arrogante,  egocêntrico, etc.". Se isso não for um exemplo escancarado de falácia ad hominem, eu não sei mais  o que pode ser.

Sobre a falácia ad hominem, escrevi esse artigo:

http://www.anda.jor.br/10/12/2012/o-uso-de-estrategias-ad-hominem-para-continuar-a-se-desrespeita r-os-animais-nao-humanos

Sobre o que acusações de hipocrisia não tem o poder de provar, escrevi esse artigo:

http://www.anda.jor.br/15/12/2012/igualdade-animal-e-nao-veganismo-individual

Um conselho: se pretendem mostrar que estou errado no que defendo, é bom começar tentando avaliar  os argumentos que ofereço e tentar procurar erros neles. Daí então, faz todo sentido me mostrar  que há algo de errado com eles, e que as conclusões que cheguei são falsas. Até agora, só vi ataques à minha pessoa e à forma com que  escrevo. Isso só vai me fazer acreditar que vocês não conseguem mostrar que estou errado, e por  isso apelam à tática ad hominem, porque não suportam descobrir que estão errados em alguma coisa,  já que se acham "donos da verdade". Enquanto utilizarem da tática ad hominem, só vão é fazer eu  pensar que estou certo, que fazem assim porque não conseguiram encontrar nenhum erro com os  argumentos, e estão "embirradinhos" porque não suportam o fato de saber que estão errados em  alguma coisa. "Vejam que blasfêmia! O Luciano ali demonstrou que eu, a "dona da verdade" estou  errada em alguma coisa! Mas, é muita petulância mesmo!".

Quem já leu qualquer artigo que escrevo (inclusive, alguns deles, artigos que são respostas a  debates) sabe que o que faço são avaliar os argumentos. Até agora, em muitas questões, eu e meus  críticos discordamos muitas vezes radicalmente (como é o caso do artigo que você está a  comentar). O debate, nesses casos, contudo, ocorre normalmente, como deveria ser. É totalmente  falsa a afirmação de que acuso alguém de ser imbecil por discordar das minhas idéias. Quem leu  meus artigos (inclusive este que você está a comentar) sabe que, muitas vezes, agradeço ao  interlocutor por ter me apontado um erro de argumentação e por ter mostrado que eu estava errado  no ponto em questão. Além do próprio artigo que estamos a comentar, um ótimo exemplo de debate  saudável onde os interlocutores discordaram radicalmente de mim, e o clima foi totalmente respeitoso, pode ser visto aqui. No debate que você  menciona, do facebook, eu não acusei ninguém de ser imbecil por discordar de mim. Isso é uma  manipulação grosseira. Eu afirmei, ao invés, que determinadas idéias são pura imbecilidade,  porque não possuem nenhum bom argumento a seu favor, e, depois de poucos momentos de reflexão  crítica, já se revelam tolices, preconceitos irracionais.

Para quem não sabe do debate no facebook que você menciona, e pode ter uma idéia errada do que  você está a apontar, a imbecilidade da qual falo diz respeito a uma interlocutora no debate ter  afirmado que estuprar e assassinar não são questões morais (questões que exigem uma justificativa  quando estamos a decidir), que são apenas questões jurídicas (ou seja, coisas que deveríamos deixar  de fazer apenas porque existem leis proibindo-as). No entender da interlocutora, a única regra  moral seria jamais mentir. Torno a repetir: pensar assim é uma imbecilidade, porque, se estuprar  e assassinar não são questões morais (questões que exigem uma justificativa sobre como decidir),  a despeito do dano gravíssimo que causam às suas vítimas, então, é muito difícil imaginar como é que qualquer  outra coisa poderia ser uma questão moral. Para começar, como é que mentir (que causa um dano  muito menor do que estuprar e assassinar), seria uma questão moral, em primeiro lugar? Aliás, se  nem estuprar nem assassinar são questões que merecem reflexão moral (se são o tipo de decisão  moralmente neutra, como pentear o cabelo para o lado ou para trás), por que haveriam de existir  leis proibindo essas coisas então?

No referido debate no facebook, muitas pessoas que comentavam me acusando das mesmas coisas  (arrogante, pedante, etc.) sequer leram o que escrevi antes. A prova disso é que muitas pessoas  falavam exatamente os mesmos argumentos que eu já havia respondido anteriormente. Algumas dessas  pessoas até orgulharam-se de não ter lido o que escrevi, e de nunca terem lido nada sobre o tema.  Isso revela o quão preparadas elas estão para entrar num debate ou escrever sobre determinado  tema, e revela também muito da sua "boa intenção" por trás de debater (xingar o interlocutor sem  ter lido o que ele fala). E, então, quando a gente apenas posta novamente o link para onde está a  resposta já oferecida anteriormente para o argumento que ele torna a repetir, somos considerados  arrogantes. É claro, alguém assim deve ser achar tão especial que quer que o interlocutor repita  somente para ele, escrevendo tudo novamente o que já havia falado, porque ele é muito especial  para se dar ao trabalho de ler aquilo que já foi respondido anteriormente (e, que ele nem vai ler se for escrito novamente, já que o seu objetivo não é refletir sobre o tema, mas, xingar o interlocutor).

E, para quem não sabe do debate em questão (que era um debate em uma comunidade onde só haviam  veganos), uma das idéias que defendi que causou repulsa foi a idéia de que o especismo, racismo e  sexismo são preconceitos igualmente deploráveis, e que os animais devem ter direitos. Isso mesmo:  muitos veganos tem uma repulsa moral pela idéia de que existe a obrigação de respeitar os animais  (que envolverá, por exemplo, proibir legalmente o seu uso, assim como a escravidão humana é  proibida legalmente). Descobrir que muitos veganos pensam assim não deveria causar espanto. Isso  porque, alguém ser vegano não significa que esse alguém deixou de ser especista.Vejamos por que:

O especismo não é caracterizado pelo uso dos animais. Isso é só uma conseqüência do especismo. É  possível que alguém seja especista e não utilize os animais (seja vegano). O especismo se  caracteriza pela idéia de que seres humanos estão justificados em tratar membros de outras  espécies como inferiores. Assim, os especistas acham, por exemplo, que está certo, que humanos  tem direito moral de utilizar os animais não humanos. Então, alguém que não faz uso dos animais  (é vegano), mas acha correto que outras pessoas o façam, é especista. Geralmente, esse tipo de  vegano defende com unhas e dentes o direito de outras pessoas, que não ele, fazerem uso dos  animais, se quiserem. Enxergam a questão assim: humanos tem direito de explorar os outros  animais, mas quem não quiser fazer, não tem problema (é moralmente opcional), assim como quem  quiser jogar pingue pongue tem esse direito, mas, quem não quiser fazer, não tem problema. Isso  porque, não reconhece nem direitos morais, muito menos igualdade, para os animais. É vegano por  questão de gosto, não por questão de justiça. Então, mentalmente, é tão especista quanto quem usa  os animais. Esse tipo de tolice surge da confusão em não se saber distingüir uma questão de ética, justiça, de uma questão de gosto pessoal.

O especismo, por ser uma idéia imbecil (carece de qualquer justificativa a seu favor) é uma idéia  que qualquer um tem o dever de combater. E, vou combater o especismo, venha de onde vier, seja de  gente que usa os animais, seja de veganos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário