quarta-feira, 18 de agosto de 2010

É a ética subjetiva? (Não, não é!)


É a ética subjetiva?
Luciano Carlos Cunha
Muitas pessoas mantêm uma posição que se assemelha e ao mesmo tempo difere do relativismo moral (que refutamos na coluna anterior): o subjetivismo ético. Para essas pessoas, as questões éticas são meras disputas de opinião: “cada um tem a sua, e ninguém está certo ou errado – isso tudo é subjetivo”. Em comum com o relativismo, essa perspectiva sustenta que não há uma verdade universal em ética. Diferentemente do relativismo, o subjetivismo não diz que o certo/errado dependem da sociedade em questão, mas do que o indivíduo que mantém a opinião acha (sente). Isso evita o problema do relativismo, de não admitir reformas sociais (no subjetivismo, os indivíduos não precisam agir conforme as normas de sua sociedade ou grupo). Segundo o subjetivismo, quando alguém diz: “comer carne é errado!” está apenas relatando um fato sobre si mesmo (que tem um sentimento ruim quanto a comer carne), e não afirmando uma verdade sobre o ato de comer carne. Se alguém diz o oposto, “comer carne é certo!”, está também apenas relatando o sentimento que tem quanto a comer carne. Segundo essa perspectiva, não há como estabelecer a verdade em ética, ou, aliás, se a pessoa está dizendo a verdade sobre o sentimento que possui quanto a algo, então isso é toda a verdade que há.
Vale lembrar que, para o subjetivismo, todas as questões éticas se resumem à mera opinião. Não poderíamos dizer, por exemplo, que alguém que defende o nazismo ou a escravidão está errado. Se dissermos que alguém está errado em defender o nazismo, tudo o que estamos fazendo, de acordo com o subjetivismo ético, é relatando um fato sobre nossa mente (que nos sentimentos mal diante da ideia do nazismo). Assim, ao contrário de ser a perspectiva de que a ética é objetiva que pode tolerar imposições sanguinolentas por parte de pontos de vista privados, é o subjetivismo que possui enorme possibilidade disso. No subjetivismo, tudo se resume a questões de mera preferência pessoal.
Mas serão as questões éticas exatamente iguais a questões de preferência pessoal? Quando falamos de preferência pessoal, é verdade que estamos relatando algo sobre nós mesmos. Se digo que eu gosto de calor e estou sendo sincero no que digo, então é verdade que gosto de calor. Se você diz que não gosta de calor e está falando com sinceridade, então o que fala é verdade também. Há a possibilidade de as duas afirmações serem verdadeiras ao mesmo tempo, sem problema algum. Quando falamos isso, não estamos discordando: não caio em contradição se eu aceitar que tanto é verdade que eu gosto de calor quanto é verdade que você não gosta. Agora, vejamos uma questão ética: se digo que comer carne é errado, não posso dizer ao mesmo tempo que comer carne é certo. Mas, se o subjetivismo ético fosse verdadeiro, é o que teríamos de assumir. Se quando digo “comer carne é errado” estou dizendo que “eu, Luciano, tenho um sentimento negativo quanto a comer carne” (estou relatando algo sobre mim) e quando você diz o contrário está apenas relatando algo sobre você, então não estamos discordando. Como na questão de preferência pessoal, deveria ser verdade, ao mesmo tempo, que é certo comer carne, e que também é errado comer carne. Mas se é verdade que estamos discordando, então não é verdade que os juízos éticos são meros relatos sobre nós mesmos. Se fossem, não gerariam discordância, assim como não gera discordância saber que uma pessoa gosta de calor e outra não. Parece que quando alguém faz um juízo sobre comer carne (ou qualquer outro juízo ético), está falando sobre o ato de comer carne (independentemente de quem o faça), e não sobre si mesmo apenas.
Outro problema com o subjetivismo é que, se ele fosse verdadeiro, ninguém cometeria erro algum, nunca. Se os juízos éticos são meros relatos de fatos sobre como nos sentimos, então desde que estejamos realmente relatando como nos sentimos, estamos certos. Se mudarmos nossos sentimentos e mudarmos nosso julgamento, o subjetivismo ético diria que estávamos certos tanto antes quanto agora – e certos na mesma medida. Outro problema maior para o subjetivismo é o seguinte: supondo que você diga “a ética é subjetiva”, enquanto que eu digo “a ética não é subjetiva”; se estamos sendo sinceros ao relatar o que realmente achamos sobre a ética então o subjetivista não tem uma base para a dizer que a ética é realmente subjetiva, já que o outro discorda e, segundo o subjetivismo, ambas as posições são verdadeiras. Se o subjetivismo for verdadeiro, então os subjetivistas ficam sem uma base para defender que a ética é mesmo subjetiva e não objetiva.
Diante de todos esses problemas, alguns filósofos reformularam o subjetivismo e chegaram na teoria do emotivismo. O emotivismo diz que os juízos éticos não são verdadeiros nem falsos porque não exprimem fato nenhum (nem sobre verdades morais objetivas nem sobre o sentimento de quem está falando). Para o emotivismo, os juízos éticos são como tentativas de influenciar a conduta da outra pessoa para que esta faça ou deixe de fazer alguma coisa. Alguém que diz que comer carne é errado estaria, em outras palavras, dizendo “viva o veganismo!” – uma frase que não pode ser classificada nem de verdadeira nem de falsa. Assim, o emotivismo tenta consertar o problema da discordância (agora é possível dizer que discordamos porque discordamos quanto ao que desejamos que o outro faça) e o problema da infalibilidade (já que não se pode mais classificar os juízos éticos de acordo com sua veracidade/falsidade, não faz mais sentido falar em erro/acerto).
Contudo, o emotivismo não está livre de problemas graves. Um grande problema é que essa teoria assume que somos pura emoção, que não somos também dotados de razão. Quando alguém faz um julgamento ético, é sempre legítimo perguntar pelas razões que dão sustentação a tal julgamento. O emotivismo vê as razões apenas como tentativas de influenciar a conduta do outro. Portanto, desde que se consiga o efeito almejado, o emotivismo considera uma razão válida. Assim, como o filósofo James Rachels exemplifica, ao analisar a teoria: “Suponha que eu esteja tentando convencê-lo de que o Sr. Silva é uma pessoa má (…) mas você está resistindo. Sabendo que você é racista, eu digo ‘O Sr. Silva é negro’ ” (RACHELS. Elementos da Filosofia da Moral, p. 41). Se isso convencesse o interlocutor, o emotivista teria de considerar uma razão válida. Mas, obviamente, a raça de alguém não é relevante para estabelecer sua maldade, independentemente do que todas as outras pessoas do mundo pensam sobre isso. Então, por não conseguir distinguir quais razões são, de um ponto de vista ético, válidas (quais têm a ver com o assunto que está em discussão), o emotivismo também sucumbe, assim como subjetivismo e o relativismo.
A grande conclusão a partir desse ponto é então sobre a importância da razão na ética. Os que pensam não haver uma verdade objetiva em ética geralmente defendem sua perspectiva apontando que não existem fatos morais no universo físico, assim como existem fatos sobre outras coisas. Relativistas, subjetivistas e emotivistas criam então uma falsa dicotomia: “ou existem fatos éticos objetivos nas mesmas bases que existem fatos sobre o universo físico, ou então um juízo ético é sempre tão bom quanto qualquer outro”. A inexistência desses fatos não implica que a ética não seja objetiva, já que “as verdades morais são verdades da razão, ou seja, um julgamento moral é verdadeiro se respaldado por razões melhores que as alternativas” (RACHELS, Ibid, p. 42). Ainda que esses fatos não existam no universo, somos dotados de razão, e, por isso, sujeitos às mesmas regras lógicas. Isso significa que os argumentos podem ser avaliados em termos de plausibilidade. Na próxima coluna, tentarei falar um pouco sobre os métodos de raciocínio ético que visam guiar a investigação sobre como saber se um juízo é eticamente válido ou não.
Se as perspectivas relativistas/subjetivistas/emotivistas não conseguem se sustentar nem mesmo frente a alguns parágrafos de análise crítica, como é que atraem tantas pessoas? Talvez seja porque os seus defensores se veem seduzidos pela ideia óbvia de que sociedades/pessoas possuem visões morais diferentes e, precipitadamente, dão o salto para uma conclusão metaética de que não há objetividade em ética. As aparências enganam. E, como vimos, não podemos concluir que a ética é relativa/subjetiva simplesmente a partir do fato de que há discordância nos juízos morais. Algumas posições podem simplesmente estar erradas – dependendo das razões oferecidas em seu respaldo.
Finalizando, gostaria de apontar que apelar à emoção é uma tática muito usada dentro do movimento de defesa animal. Por mais que eu reconheça que os sentimentos desempenham um papel muito importante nas questões éticas (principalmente no que diz respeito à motivação para agir), penso que essa ênfase pode causar mais mal do que bem, principalmente se argumentos éticos sólidos não são apresentados conjuntamente. O interlocutor mais atento, mas que não conhece os argumentos a favor dos direitos animais,  pensará que estamos apenas querendo influenciar sua atitude, e que não estamos nem um pouco preocupados em saber se estamos realmente certos ou não. E, com relação a muitas pessoas, isso parece ser verdade: elas primeiro sentem que algo é errado, e depois buscam argumentos para sustentar a posição a todo custo. Mas, como vimos, nossos sentimentos podem ser apenas produto de nossos preconceitos (ou podem ser realmente sentimentos éticos, mas só podemos descobrir isso se fizermos uma análise racional visando eliminar possíveis preconceitos). O que quero dizer é que devemos dar mais atenção ao que a razão tem a dizer sobre as questões éticas que estamos discutindo se estamos interessados realmente em fazer o que é certo, descobrir a verdade. Um pouco sobre o papel da razão na ética é o que veremos na próxima coluna.

7 comentários:

  1. Olá Luciano,

    devo parabenizá-lo pela excelente qualidade com que abordou o assunto. Foi o único que vi em terras tupiniquins digno de alguma atenção (apensar de já ter tentado, sem sucesso, dialogar em outro, mas eles se exaltavam com muita facilidade e já apresentaram todos os erros que você já apresentou no presente blog e no "especismo não".

    Li praticamente todos os seus textos. São racionais, abordam bem o assunto, mas percebo algumas lacunas... gostaria de poder citar todas que não me foram convincentes, quem sabe, eu tenha essa oportunidade. Como uma crítica geral, embora possa parecer óbvio, mas julgo que seus textos fazem-se valer da ética pela ética. Ou seja, é implicitamente assumido uma primazia da reflexão, sobre a realidade, valorizando o ideal acima do que é real. Um típico equívoco que ocorre quando pensamos demais na realidade, e esquecemos de que vivemos nela.

    Por hora, gostaria de fazer apenas algumas observações na presente reflexão:

    "Outro problema com o subjetivismo é que, se ele fosse verdadeiro, ninguém cometeria erro algum, nunca."

    Aqui, é assumido, diferentemente da corrente solipsista (que nega que exista uma realidade fisica), que a realidade possui, intrinsecamente um padrão ético-moral (vindo da onde? Estabelecido por quem?) que independe de um sujeito. No entanto, parece bem claro que "erros" (imagino que esteja se referindo a tidos erros morais e éticos, correto?), só podem ser julgados por um sujeito. Do contrário, o que seriam "erros objetivos?" Ou "fatos, imorais"?

    "Se os juízos éticos são meros relatos de fatos sobre como nos sentimos, então desde que estejamos realmente relatando como nos sentimos, estamos certos."

    Juízos éticos teriam relação com a interpretação de um fato, como algo incorreto, usando-se a própria ótica. Parafraseando Nietzsche: "não existem fatos morais, apenas uma interpretação moral dos fatos".

    "Se mudarmos nossos sentimentos e mudarmos nosso julgamento, o subjetivismo ético diria que estávamos certos tanto antes quanto agora – e certos na mesma medida."

    E só assim poderia ser de fato. Do contrário, baseando-se em que poderia extrair parâmetros de conduta puramente objetivos? Podemos dizer que a ética é estabelecida da subjetividade para com a objetividade. Há padrões que interessam a fins mútuos entre sujeitos e esses são adotados como válidos.

    "Outro problema maior para o subjetivismo é o seguinte: supondo que você diga “a ética é subjetiva”, enquanto que eu digo “a ética não é subjetiva”; se estamos sendo sinceros ao relatar o que realmente achamos sobre a ética então o subjetivista não tem uma base para a dizer que a ética é realmente subjetiva, já que o outro discorda e, segundo o subjetivismo, ambas as posições são verdadeiras. Se o subjetivismo for verdadeiro, então os subjetivistas ficam sem uma base para defender que a ética é mesmo subjetiva e não objetiva."

    A lógica está correta, mas você arbitrariamente assumiu que "se os subjetivistas entram em um impasse, a ética automaticamente é objetiva". Isso é um erro. A impossibilidade de se estabelecer uma base, não significa de forma alguma que a ética seria objetiva, mas sim que ela não existiria para além dessa esfera - a subjetividade.

    Espero que tenhamos outros diálogos, continuarei lendo seus textos!

    Um abraço!

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    1. Olá, Danilo!

      Muito obrigado por escrever e pelas críticas. Desculpe a demora em responder. Na verdade, há muito tempo eu não atualizo esse blog por falta de tempo, e, então, nem tinha visto mais os comentários.

      Abaixo, tento responder então as objeções que você levantou.


      (1) “... seus textos fazem-se valer da ética pela ética. Ou seja, é implicitamente assumido uma primazia da reflexão, sobre a realidade, valorizando o ideal acima do que é real. Um típico equívoco que ocorre quando pensamos demais na realidade, e esquecemos de que vivemos nela”.

      Para mim não está claro por que isso seria um equívoco, uma vez que a função da reflexão ética é justamente orientar a prática. Refletir sobre a prática não é esquecer que vivemos nela, já que essas reflexões são exatamente dirigidas para descobrir que atitudes devemos adotar e quais devemos rejeitar. Não é uma reflexão no sentido descritivo, como acontece na psicologia, na sociologia, na antropologia, por exemplo. Então, penso que não faz sentido afirmar que a reflexão ética é desconectada da prática. Aliás, a regra “devemos viver a realidade e não pensar demasiado sobre ela” não é uma descrição sobre a realidade; é, ao invés, uma tentativa de ser um princípio ético abstrato (um princípio que guia a prática). Agora, se essa regra tem boas razões para ser aceita, acho que não. Penso o contrário: que só faz sentido mantermos determinadas práticas se as examinarmos bem e vermos que elas possuem justificativa para serem mantidas. Do contrário, deveríamos abandoná-las.

      (2) Você comentou que, na minha posição, assumo que:

      “a realidade possui, intrinsecamente um padrão ético-moral (vindo da onde? Estabelecido por quem?) que independe de um sujeito. No entanto, parece bem claro que "erros" (imagino que esteja se referindo a tidos erros morais e éticos, correto?), só podem ser julgados por um sujeito. Do contrário, o que seriam "erros objetivos?" Ou "fatos, imorais"?

      Se o que você quis dizer é que sou um realista moral (isto é, que penso que existe objetivamente certo e errado, que independem do que gostaríamos que fosse certo e errado), então, sim, a minha posição é exatamente essa. Por exemplo, penso que o especismo é errado, quer gostemos disso ou não, e era errado antes de qualquer um de nós reconhecer que era, e continuará errado mesmo que todos nós passemos a considerá-lo correto. O que gostaríamos que fosse verdade não tem poder algum para jogar o peso das razões a favor do especismo.

      Mas, isso não implica que eu pense que a objetividade da ética dependa da existência de fatos morais, no mesmo sentido que se fala de fatos empiricamente observáveis. Por exemplo, muita gente acredita que a objetividade das ciências empíricas deve-se à existência de fatos empiricamente observáveis, cujas crenças poderiam corresponder ou não. Deixando de lado por um momento a discussão sobre se a objetividade da ciência deve-se ou não à existência de fatos empiricamente observáveis, o que gostaria de apontar é que, mesmo se esse for o caso, não segue daí que a objetividade em outros domínios do pensamento, nos domínios onde essa objetividade existir, dependa também da existência de fatos empiricamente observáveis.

      Por exemplo, a tese de que “todo domínio de pensamento que possui objetividade precisa ter um fato empírico equivalente que garanta essa objetividade” pretende ser uma tese verdadeira. Mas, não há nenhum fato empírico que garanta a verdade dessa tese. Então, essa tese é auto-refutante.

      Obviamente, isso não garante que a ética seja objetiva. O que quero apontar é que a falta de fatos morais empiricamente observáveis não é uma prova de que a ética é subjetiva. Eu acredito que a ética seja objetiva, mas, que a objetividade da ética dependa de outras condições, por exemplo, do conceito de relevância.

      (continua...)

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    2. (parte 2...)

      Um exemplo prático bem simples acho que ilustra bem esse ponto. Supondo que há um médico em um pronto socorro, e ele precisa estabelecer de quem é a prioridade de atendimento. Imagine que ele adote como critério o número de letras no nome dos pacientes. Quanto maior o número de letras, será atendido antes do que os outros. Suponhamos então que chega alguém que se chama Epaminondas com um leve corte no dedo, e chega alguém com o nome Ana com uma grave hemorragia. O médico atende primeiro Epaminondas, pois está a seguir coerentemente o critério que adotou (o número de letras no nome), e Ana morre. Obviamente que todo mundo ficaria indignado com algo assim. Se isso acontece a você ou a algum familiar, certamente você ficaria indignado com o médico. Mas, essa indignação não é arbitrária. Ela vêm do reconhecimento de que existem critérios éticos que são objetivamente relevantes e outros objetivamente irrelevantes.

      E, isso não vêm de uma mera intuição moral misteriosa. É possível explicar por que um critério moral é relevante e outro não é. Por exemplo, no caso que citei, estamos falando da prioridade no socorro. Temos de então perguntar: “por que a prioridade no socorro é uma questão ética?”; “por que alguém necessitaria de prioridade no socorro?”;. A resposta parece ter a ver com estar numa situação pior do que a dos outros; estar mais vulnerável do que os outros; ter maiores chances de salvar os outros se for medicado primeiro, etc. Podemos discutir que outros critérios entrariam aqui e qual desses critérios deve ter peso maior. Seja lá qual for o critério que adicionemos à lista, me parece que o número de letras no nome não tem absolutamente nada a ver com aquilo que torna a prioridade no socorro um problema de ética, já que tal critério não tem absolutamente nada a ver com as condições que tornam necessário alguém ter prioridade. Então, adotar o número de letras no nome como critério de prioridade é cometer, objetivamente, um erro moral.

      Você poderia dizer: “mas, o médico em questão realmente acredita que o número de letras é relevante para a prioridade”. Sim, concordo que ele pensa assim , mas, isso não torna o critério relevante, uma vez que ele não consegue explicar o que tal critério tem de relevante para a prioridade no socorro, e nós conseguimos explicar por que ele é irrelevante (ele não tem absolutamente nada a ver com aquilo com que faz que alguém necessite de prioridade).

      É exatamente por essa mesma razão que conseguimos ver que critérios especistas, racistas e sexistas, por exemplo, são critérios moralmente irrelevantes para se estabelecer quem deve ser respeitado. Mais uma vez, podemos explicar por que tais critérios são irrelevantes perguntando “por que faz sentido a pergunta ‘quem devo respeitar?”. Só faz sentido porque há seres que necessitam de respeito. Se não existisse ninguém necessitando de respeito, não faria sentido prático a pergunta “quem devo respeitar?”. Se formos além e perguntarmos “por que alguém necessita de respeito?”, qualquer resposta plausível terá de apontar que é porque alguém é passível de ser prejudicado ou beneficiado. Essas são condições necessárias e suficientes para alguém necessitar de respeito, e, portanto, é o que é relevante na hora de saber quem deve ser respeitado. A espécie, raça e gênero de alguém não influenciam nessa característica, e, portanto, conseguimos mostrar que são critérios moralmente irrelevantes. Não vejo por que exigir alguma outra prova além dessa, de que esses critérios são realmente irrelevantes (ser contra o racismo, especismo e sexismo não são meras preferências irracionais nossas; pelo contrário, temos rejeição por tais critérios porque os detectamos como irrelevantes).

      (continua...)

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    3. (parte 3)

      Então, me parece que a relevância moral é um domínio objetivo. Não há como dizer que determinados critérios são relevantes. Por exemplo, teria-se de forçar muito a barra para afirmar que o número de letras no nome é relevante para a prioridade no atendimento. Você poderia dizer, em defesa do subjetivismo: “mas, por que guiar a prática por aquilo que é relevante para a prática?”. “Por que não, simplesmente seguir o que for irrelevante?”. Nesse ponto, acho que é aí que terminam minhas justificativas a favor do realismo moral. Eu simplesmente vou dizer: “isso é auto-evidente”; “devemos guiar a prática de acordo com o que for relevante para a prática”. Em qualquer outra área do pensamento nos guiamos pelo que é relevante para aquela área do pensamento sem pedir por mais justificativas. Ninguém pergunta, quanto o assunto são os fatos empíricos, “por que eu deveria basear minhas crenças sobre os fatos naquilo que é relevante com relação aos fatos?”. Não vejo porque na ética teria-se de dar uma justifica a mais do que é exigido em qualquer outra área.

      Concordo com o que você apontou, que esses julgamentos sobre o que é relevante moralmente e o que não é só podem ser feitos por sujeitos. Mas, isso não mostra que a ética é subjetiva. O mesmo acontece em qualquer outra área: nas ciências empíricas, na matemática, na lógica... os julgamentos são feitos todos por sujeitos. Por exemplo, a afirmação que você fez, “erros (...) só podem ser julgados por um sujeito” pretende ser verdadeira (objetivamente verdadeira, e não apenas uma preferência pessoal irracional sua), e ela também foi feita por um sujeito. Somos sempre nós que estamos a fazer os processos de raciocínio. Mas, isso não implica que a verdade em determinados domínios de pensamento sejam meras ficções, ilusões de nossa parte. Isso pode ser verdade quanto a algumas áreas (por exemplo, alguém que tenta objetivar suas preferências pessoais, e manter que todos deveriam achar o gosto de café bom), mas, não em todas (e, como disse acima, penso que a discussão em torno da relevância moral, olhando para casos práticos, aponta que na ética a coisa é diferente; faz sentido julgar alguns critérios como relevantes e outros como irrelevantes).

      continua...

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    4. (parte 4...)


      (3) Você afirmou: “Há padrões que interessam a fins mútuos entre sujeitos e esses são adotados como válidos”.

      Isso não mostra que a ética é subjetiva. Isso é apenas uma descrição do que acontece. Descrever a maneira pela qual determinadas regras são adotadas em uma sociedade não diz nada sobre o status dessas regras (se são ou não justificáveis) e também não diz nada sobre se há ou não valor de verdade nas afirmações da área em questão. Não dá de deduzir, a partir da constatação de que padrões que interessam a fins mútuos serem adotados como válidos, então que não há verdade objetiva sobre a área em questão. Tomemos como exemplo o caso das ciências empíricas novamente. Supondo que, devido a fins mútuos, todos concordassem em acreditar que o planeta Saturno fica girando em torno da Terra com um elefante vestido de bailarina dançando em cima dele. Isso não mostra que as ciências empíricas são subjetivas. Essa crença continuaria sendo falsa, já que há verdade objetiva empírica, mesmo que seja adotada devido a interesses mútuos.

      Então, o mesmo vale para a ética. Por exemplo, a escravidão humana já interessou a fins mútuos de várias sociedades e já foi amplamente adotada. Hoje em dia ela é amplamente rejeitada (talvez você diria, devido a interessar a fins mútuos). Isso não mostra que não há um certo e errado quanto a escravizar. Uma investigação sobre que intenções, interesses e motivos levam as pessoas a adotarem certas práticas não diz nada sobre se essas práticas são justificáveis ou não, e nem que seja impossível estabelecer se são ou não. Poderia ser verdade que todo padrão de conduta é adotado porque interessa a fins mútuos (e, mesmo enquanto tese empírica não acho que isso seja verdade) e, ainda assim, existir um padrão de conduta objetivamente correto, inclusive um que ninguém nunca adotou (e isso poderia ser mostrado a partir de uma análise da relevância, como mencionei antes, por exemplo).

      Enfim, descrições sobre por que as pessoas chegam a ter determinadas crenças não tem poder de mostrar que tais crenças são justificadas ou injustificadas, e nem se há ou não verdade objetiva quanto a essas crenças. A resposta para se a questão “há objetividade em ética ou não?” teria de ser procurada no próprio domínio normativo (como fizemos na discussão sobre relevância). Descrições sobre a maneira pela qual alguém chega a ter as crenças que tem (sejam crenças morais ou não), ou sobre as intenções por trás dessas crenças e por trás das práticas serem aceitas ou rejeitadas, não diz nada sobre o status dessas crenças ou dessas práticas. Por exemplo, alguém poderia acreditar na igualdade para os seres sencientes porque sua mãe repetiu isso um milhão de vezes, mas, isso não mostra que não há boas razões para se aceitar a igualdade entre os seres sencientes.

      continua...

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    5. (parte 5)

      (4) Você citou essa passagem: "Outro problema maior para o subjetivismo é o seguinte: supondo que você diga “a ética é subjetiva”, enquanto que eu digo “a ética não é subjetiva”; se estamos sendo sinceros ao relatar o que realmente achamos sobre a ética então o subjetivista não tem uma base para a dizer que a ética é realmente subjetiva, já que o outro discorda e, segundo o subjetivismo, ambas as posições são verdadeiras. Se o subjetivismo for verdadeiro, então os subjetivistas ficam sem uma base para defender que a ética é mesmo subjetiva e não objetiva."

      E comentou: “A lógica está correta, mas você arbitrariamente assumiu que "se os subjetivistas entram em um impasse, a ética automaticamente é objetiva". Isso é um erro. A impossibilidade de se estabelecer uma base, não significa de forma alguma que a ética seria objetiva, mas sim que ela não existiria para além dessa esfera - a subjetividade”.

      Sim, de fato, você está correto ao apontar que há um deslize da minha parte aqui. O deslize é que eu não separei os domínios meta-ético (“há objetividade na ética?”) e normativo (“que devo fazer na prática?”). Realmente, isso não garante que a ética seja objetiva (como disse acima, o que penso que garante seja a reflexão sobre a relevância dos critérios morais) Mas, penso que isso não afeta em linhas gerais a conclusão que defendi. O que eu apontei é sobre as implicações normativas nulas da possibilidade do subjetivismo ser verdadeiro. Por exemplo, supondo que eu e você estamos discutindo e discordando sobre alguma questão prática específica. Supondo que estejamos discutindo nossas obrigações perante aos animais não humanos e você defenda uma posição baseada nos direitos e eu defenda uma posição consequencialista. Supondo que, por algum motivo, o debate entra na questão meta-ética, e você argumenta que a ética é subjetiva e eu discordo. Supondo que, no final das contas, você tenha razão e a ética seja subjetiva. Na prática, se eu continuar a agir com base em uma teoria moral que assume que a ética é objetiva, você teria alguma base para objetar a isso? Penso que não, já que, se a ética for subjetiva, todas as teorias normativas são igualmente plausíveis, incluindo aquelas que partem da idéia de que a ética é objetiva. Então, aquela passagem foi mais no sentido de apontar as implicações práticas da possibilidade do subjetivismo ser verdadeiro.

      Abraços e obrigado por ler o que escrevi, e principalmente pelas críticas!


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  2. Afirmar que ética é a pura exposição do modo como nos sentimos, em parte defende o ideal sofistico na medida que considera apenas os pormenores que apoiam nossa posição e excluindo o que a desfaz. A ética como tal (socrática) é uma ilusão. Vejamos, a ética é tida como a reflexão sobre moral. Visto qie a moral é modo de estar socialmente aceite em cada sociedade, ou seja, o que é moral na Russia pode bao ser moralmente aceite na China ou em Moçambique. A ética é então uma forma de ser que reflete sobre o modo russo, chinês e moçambicano de ser, retirando o positivo em tidos eles e descobsiderando o que considera negativo e "impõe" (se pudesse) aos povos, alegando ser a melhor maneira de viver em sociedade.

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